segunda-feira, abril 06, 2009

Nós


Uma vez um homem disse-me assim: “gostas de mim”.
Isso foi dizer, não foi perguntar.
E eu disse: “tenho de pensar.”
Não foi nada de especial.
Uma vez, uma mulher aproximou-se, beijou-me e disse: “gosto de ti?”
Devia dizer em vez de perguntar.
Eu disse: “vai-te lixar.”
Mas acabei por a abraçar.
Depois, dançámos um no corpo do outro… fomos homem e mulher, cada um na sua vez.
“Primeiro eu!”, disse ela.
Ela queria ser a parte rude.
E eu fui mulher enquanto pude.
Depois, não aguentei. Cansei. Chorei.
Disse-lhe: “agora és tua a parte que sente. Deixa-me ser a parte que mente.”
Ela sorriu para mim e disse-me assim: “ambos mentimos porque ambos sentimos.”
E deu-me a mão como se não houvesse outro jeito de dizer que me dava o coração.
Eu fui homem na minha vez sem lembrar o que ela me fez quando foi homem na sua vez.
Então, eu fiz-lhe também como se ela não significasse ninguém.
Quando voltei a ser a parte que sentia sofri com o que lhe fazia.
Olhámo-nos a meio da troca dos nossos corpos e fomos o rosto um do outro.
Fomos o ser.
Um e nenhum.
E voltámos a ser.
Uma e nenhuma.